Arquivo da categoria: urbanismo

Murilo Couto e a piada sem graça

Roupas ridículas, atropelamentos, e a dura vida do ciclista brasileiro vira piada de cunho fascista.

No passado, havia humor machista e racista. Hoje essas peças de humor mais constrangem do que são engraçadas. São conhecidas as peças de humor racista que circulavam na Alemanha na década de 1930 satirizando judeus. No limite, isso deu em Auschwitz.

O século XX foi uma época de instituições “duras”. O século XXI é de instituições “moles”. Bauman fala em modernidade sólida e líquida. Foucault e Deleuze/Guattari falam em sociedade disciplinar e sociedade do controle.

O fascismo não morreu, ele ressurge aqui e ali, com nova roupagem. Mas continua um elogio da força, um elogio do poder. Como força e poder no século XXI são situacionais, “líquidos”, o que temos são pessoas em situação de poder, e pessoas em situação de fragilidade. E isso se reproduz internamente em todas as classes sociais.

O pedestre tem seu espaço territorializado que é a calçada, onde a bicicleta só pode circular, por força de lei, por autorização da autoridade competente e com preferência para o pedestre. O resto é a rua, e em alguns locais há estrutura de ciclofaixas e ciclovias onde deve circular a bicicleta, protegida. Mas na ampla maioria do espaço viário, o ciclista divide o espaço com o motorista.

Continuar lendo

Caso MARINA HARKOT: as afinidades eletivas

As afinidades eletivas entre os personagens que atuam no caso Marina Harkot.

Todo cidadão acusado tem direito à defesa e ninguém pode ser obrigado a incriminar a si mesmo. Estes são princípios jurídicos basilares em uma república democrática de direito.

José Maria da Costa Júnior é acusado de atropelar e matar Marina Harkot na madrugada do dia 08 de novembro de 2020. Ato presenciado por testemunhas, que também presenciaram sua fuga do local negando socorro.

A polícia pesquisa o caso, a mídia também. Por exemplo, a Rede Globo, no jornal que passa pela manhã expôs o vídeo abaixo, onde num elevador, momentos depois do atropelamento, o acusado, junto a uma companheira, sorri, aparenta calma e alegria: Continuar lendo

MARINA HARKOT

Marina Harkot foi assassinada na madrugada de 08 de novembro de 2020. Pedalava e foi atropelada por trás, numa via iluminada, vazia, com 4 faixas.  Marina estava sinalizada e tinha mais de 1,80m de alura. O que explica essa morte? Ou melhor, como justificar essa perda?

Marina e seu sempre presente sorriso.

Aqui em São Paulo, no meio dos cicloativistas, a sensação é de dor, revolta, medo. Estou escrevendo em 10/11. Durante a madrugada o carro usado como arma foi encontrado. A polícia procura o homicida. Já pediu sua prisão. Continuar lendo

Livre-mercado, espaço público, ciclovias…

Cadê aquela ciclovia que tava aqui? Está aí, debaixo desse monte de patinetes elétricos.

Patinetes elétricos estacionados à espera do cliente pagante. Ocupando espaço público sem pagar nada. Imagem de Antonio Miotto, herói da resistência.

Tem gente que não gosta de pobre. Tem pobre que não gosta de pobre. Mas nem sempre há coragem pra falar algo, então aproveitam-se os espaços possíveis para atacar os pobres.

Por mais que haja gente da classe média alta que aprendeu a usar bicicleta como meio de transporte, é preciso lembrar que em todo mundo bicicleta é sim o transporte das classes E, D e C. Pesquisas feitas pela Ciclocidade há poucos anos indicaram que em São Paulo 20% dos deslocamentos em bicicletas são da classe E, 20% da classe D, 17% da classe C. E com a crise que estamos vivendo – hoje anunciou-se PIB negativo de 0,2% no primeiro trimestre do governo de Jair Bolsonaro – acrescentando-se as tentativas sucessivas da gestão Dória/Covas de zerar subsídios nos transportes e limitar a utilização demais de um ônibus com uma única passagem (recentemente suspendeu-se legislação municipal que baixava de 3 viagens para 2 viagens caso o usuário usasse de vale-transporte, por cada tarifa de 4,30 reais), é expressivo o aumento de uso de bicicletas pelos mais afetados pelo aperto de cinto geral. Continuar lendo

bicicletas compartilhadas, patinetes elétricos, micromobilidade? não, só negócios.

Pode ser novidade no Brasil, mas em outros lugares já perceberam bem. Essas empresas de compartilhamento de bicicletas e patinetes visam apenas lucros.

2010, Londres. Pequena intervenção de cidadão inglês em bicicleta de compartilhamento público, serviço operado por uma instituição financeira. Clique na foto e saiba mais.

Caro leitor, cara leitora. Pra quê serve uma empresa? Apenas para dar lucro. É o resto da sociedade que força o empresário a seguir outros valores também. Mas se a empresa não der lucro, ele quebra. Em alguns negócios, uma ou outra operação deficitária existe pois o empresário precisa da imagem que ela produz.  Isso acontece com instituições financeiras, por exemplo.

Certa vez, aqui em São Paulo, um dos implantadores das ciclovias nova-iorquinas numa fala na Ciclocidade, numa apresentação, comentou que no mundo inteiro bancos gostam de operar sistemas de bike-sharing pois possuem uma impressão negativa na sociedade. Rimos, pois tinha um banco brasileiro gastando uns trocos pra espalhar um refrão: “isso muda o mundo”. E claro, bicicletinhas aparecendo nas peças publicitárias.

Continuar lendo

CATRACA NEM NA BICICLETA!

enviado especial do CicloZN faz relato gonzo de ato do Movimento Passe Livre contra mais um aumento de tarifa de ônibus e metrô, perpetrado pela dupla Dória-Covas.

viva o cassete, e sem cacete! catraca, nem na bike, vá de cubo com cassete!

A desculpa era comprar um canivete com chave Philips. Mas não havia como pedalar no centro sem nem passar na frente do Teatro Municipal onde haveria a concentração da manifestação puxada pelo Movimento Passe Livre, contra o aumento para 4,30 (quatro reais e trinta!) para as passagens de metrô e ônibus.

Trânsito fechado já ali na Xavier de Toledo, a bicicleta descia gostosa com seus pneus fininhos naquele concreto liso, na contramão do fluxo normal, mas não era um dia normal. Delícia descer suavemente naquela via interditada aos automotores. Continuar lendo

Menos pistas expressas nas Marginais, mais ciclovias.

Desabamento de viaduto na Marginal Pinheiros nos permite entender o que ocorreu na ocupação (predação) de $ão Paulo.

desenho do antigo leito do Rio Pinheiros no mapa atual.

Uma das melhores coisas que aprendemos ao pedalar pelas cidades é ler o relevo. E lendo o relevo, descobrimos os vales, onde comumente os trajetos são mais planos.

Sempre que viajo por Santa Catarina, procuro seguir os vales. Por lá, sempre acho caminhos mais planos pras minhas pedaladas. Da mesma forma, na Europa, muitos caminhos usados pelos ciclistas em suas viagens ladeiam rios.

Ciclistas não fazem diferente aqui no Brasil Procuramos os caminhos mais planos. E em São Paulo, boa parte desses vales hoje são ocupados por avenidas imensas. Continuar lendo

Marginal Pinheiros virará praia de paulistano!

Um viaduto desbando. Imensos trechos interditados, quilômetros antes, quilômetros depois. Fui pedalar lá.

Pista central da Marginal Pinheiros vazia…. Só assim pra eu tirar uma foto dessas.

Pois é, um trecho de viaduto da Marginal Pinheiros em São Paulo desabou.

Pra quem não sabe, as Marginais compõem um dos anéis imaginados por Prestes Maia. O Rodoanel de São Paulo, passando basicamente por fora da cidade é o anel externo. Antes da sua construção, grande parte do trânsito de caminhões das estradas que aportavam na capital fazia-se pelas Marginais. Aliás, Marginais que compõem a SP-015, e não são meras avenidas.

Por isso, ficaram durante muito tempo sob gestão direta do DER, que idealizou suas pontes com acessos rápidos, que com o tempo acabaram impedindo pedestres e e ciclistas atravessarem por cima dos rios Pinheiros e Tietê. Só há poucos anos a gestão das pontes passou à municipalidade, como das Marginais.

Um degrauzinho e tanto….

A Marginal Pinheiros começa lá na Zona Sul, acompanha o rio Pinheiros e encontra-se com a ponta oeste da Marginal Tietê. Próximo a esse encontro, na pista que vai da Zona Sul em direção ao norte da cidade, há um viaduto longo, sobre linhas da empresa de trens, CPTM, e por baixo de onde também passa uma ciclovia. Continuar lendo

OAB/SP: Comissão de Mobilidade Ciclística. Começam os trabalhos.

Começou a funcionar aquela que pode vir a ser a mais republicana e democrática das Comissões da OAB/SP, inclusive podendo reverter a péssima imagem que a instituição deixou perante os ciclistas. Mas os desafios da Comissão são imensos, a começar pela descolonização das mentes.

Debret, retratando como vestimentas servem como mecanismo de exclusão no Brasil Colonial. Como se vê, muda a moda mas não a exclusão.

A OAB/SP ficou com  péssima imagem diante dos ciclistas de São Paulo, ao mover, há poucos anos, uma ação judicial tentando reverter a redução das velocidades máximas nas Marginais em São Paulo. Tempos depois voltou atrás, mas só depois que as medidas se provaram exitosas na redução de mortes nas Marginais.

Agora, por iniciativa de Aparecido Ignácio Ferrari e Kistofer Willy Oliveira, entre outros, criou-se a Comissão de Mobilidade Ciclística. Seus Grupos de Trabalho já estão instalados, e incluem GTs que tratam das ciclovias do município de São Paulo, ou da mobilidade por bicicletas no Estado inteiro, um Gt de Terceiro Setor, outro que tratará de legislação e  outros mais.

Os desafios dessa comissão são imensos, pois no Brasil o cidadão em bicicleta se torna o Homo Sacer do trânsito. Continuar lendo

SÃO PAULO: BICICLETAS COMPARTILHADAS PRA QUEM?

São Paulo inaugura novo sistema de compartilhamento de bicicletas, mas de novo sem incluir esse sistema no efetivo sistema de transporte da cidade.

Ah, bicicletas novas, aro 24, 12 horas perto de terminais… tudo isso é irrelevante. A lógica continua a mesma, e piorada.

O antigo sistema de bicicletas compartilhadas sofria de depredações… Mas porquê né? Ora, ele já nasceu elitizado, e aí o periférico social (pois periferia urbana é cada vez mais um conceito social, e não apenas geográfico, se duvida disso, tente morar na “Cracolândia” que geograficamente é bem central…) não se reconhecia no sistema. Quando não há senso de pertença não há cuidado, mas pode haver predação.

E assim uma bicicletinha laranja do Itaú aparecia lá no fundão da Zona Norte despida de suas partes plásticas por módicos 80 reais. Semana passada eu fotografei uma repintada e com outra relação de marchas, numa cidade do interior de São Paulo, parada num poste…

Geograficamente continuam as estações muito mal distribuídas, ou melhor, distribuídas apenas pela lógica do negócio. Só estão presentes onde há poder de compra. Pois perde-se a gratuidade da primeira hora (que passa a custar o equivalente a duas passagens de ônibus). A novidade é um empréstimo de até 12 horas perto de alguns terminais de ônibus escolhidos a dedo. Quais? alguns que começaram a adensar ao redor de si uma classe média. Continuar lendo