Paris-Roubaix 2021: o caos e a lama

A rainha das clássicas esse ano não decepcionou. 1ª edição feminina, uma enlameada edição masculina, um caos. Delírio pra quem assistiu.

Assim, Tom Paquot (22 anos, Bingoal Pawels Sauces WB), que chegou fora do tempo aos 41 minutos (tempo de corte: 28:57), declarou ao fim: “J’ai cru arrêter 30 fois, mais ma tête ne voulait pas. J’ai fait 150k tout seul dont 50 sans ravito. Dans les 5 derniers kilomètres, j’ai plus pleuré que pendant les 2 dernières années de ma vie” (Pensei em parar 30 vezes, mas minha cabeça não queria. Fiz 150k sozinho, 50 dos quais sem comer. Nos últimos 5 quilômetros chorei mais que nos últimos 2 anos de minha vida. – trad. minha).

Pois desta vez não apenas ciclistas caíram fora da estrada, carro e moto também. Se a prova de 257 km com 30 trechos de pavés – para os homens, ou 116 com 17 trechos de pavés – para as mulheres, é dura o suficiente em tempo seco, no domingo, durante e antes da prova masculina, choveu bastante.

Os tombos foram constantes. Peter Sagan (BORA hansgrohe) jogou a toalha da disputa após um tombo e ficou para trás. Stephan Küng (Groupama FDJ) caiu três vezes, e abandonou. Dos 175 que largaram no masculino, 96 terminaram no tempo limite. 60 dos que largaram, inclusive o vencedor Sonny Colbrelli (Barhain Victorious), eram debutantes na prova. Aliás, Colbrelli nem estava entre os favoritos. Havia décadas que um debutante não ganhava a prova masculina.

Antes da prova, zilhões de especulações. Peter Sagan de grupo mecânico, pra aumentar a confiabilidade. Wout van Aert (Team Jumbo Visma) com pneus de 30mm. Tinha até gente especulando que alguma equipe talvez recorresse a usar gravel bikes – o que obviamente não aconteceu.

Durante a prova feminina no sábado 02/10 já tivemos uma prévia. Havia chovido um pouquinho. Mas não o suficiente pra enlamear tudo, a não ser que a competidora caísse, ficando carimbada com a lama. Lizzie Deignan (Trek-Segafredo) efetuou uma fuga solo de 85 km! Ganhou a prova, seguida de perto pela multi premiada Marianne Voz (Team Jumbo Visma) e em terceiro Elisa Longo Borghini (Trek-Segafredo). Duas bicicletas Trek Domane no pódio.

Aí as especulações, em razão do histórico da Paris-Roubaix como campo da inovação na junção entre conforto e desempenho. No passado até bicicletas com suspensões na frente e atrás correram a Paris-Roubaix e a Colnago, nos anos 1990 consolidou o uso de garfos de fibra de carbono nessa corrida. Era de se esperar que na equipe Trek as Madone velozes dessem lugar às suaves Domane. E fizeram dobradinha no pódio.

Até carro caiu fora da estrada!

No masculino não foi bem assim. As bicicletas “especiais” de Trek, Specialized, Cannondale, não fizeram pódio, mas sim as racers de sempre, apenas com pneus de 28mm: Sonny Colbrelli numa Merida Reacto, Florian Vermeersch (Lotto Sudal) surpreendendo a todos em sua Ridley Noah Fast e Mathieu van der Poel (Alpecin-Fenix) em sua Canyon Aeroad.

Precauções extras foram tomadas por muitos ciclistas: duas fitas de guidão, uma ou outra fita zip-tie aqui e ali segurando alguma peça, pneus mais largos, aros de alumínio, selim mais confortável, etc, etc, etc.

Hoje de manhã o site da Merida, na página do modelo Reacto, usado por Sonny Colbrelli, estava fora do ar, provavelmente pelo excesso de visitas.

Se no histórico bicicletas até com suspensões Rockshox foram usadas na Paris-Roubaix, há anos que as bicicletas “comuns” de estrada tem vencido a prova. Ainda mais nos últimos anos, quando a adoção dos freios a disco facilitou o uso de pneus mais larguinhos de 28 e até 30mm, E em vez de grandes inovações como full-suspensions, mas pequenas medidas, como já citei, como fitas de guidão duplas, às vezes manetes duplos de freio, aros mais resistentes, pneus mais larguinhos de pressão mais baixa, e outras medidas tópicas, têm feito mais sucesso.

Pois vamos lembrar, é uma corrida, não um passeio. O conforto reduz-se ao mínimo para permitir o desempenho. Ao contrário de nós, amadores, os profissionais pedalam para ganhar, e não apenas para se divertir como nós. Por isso nossas bicicletas são diferentes das deles, no mais das vezes: ou as deles são muito caras, ou são desconfortáveis para nosso uso.

Se a prova feminina foi definida por uma fuga solo, o mesmo parecia ocorrer na prova masculina, quando Gianni Moscon (INEOS Grenadier) estava minutos à frente de seus perseguidores, mas um tombo e um furo de pneu minaram sua vantagem, sendo alcançado pelo grupinho formado por Colbrelli, Vermeersch e van der Poel, sendo ultrapassado por esse grupo, que entrou junto no velódromo.

Sim, a Paris-Roubaix é a única oportunidade de vermos bicicletas com freios e marchas disputando algo num velódromo: uma volta e meia no antigo velódromo de Roubaix.

Veermesch tentou um ataque prematuro para ganhar, mas foi alcançado pelo sprinter Colbrelli e ficou em segundo, com o forte Mathieu van der Poel em terceiro. Moscon acabou chegando em quarto. Se a vitória de Colbrelli foi uma surpresa (não constava da lista de favoritos), mais surpreendente foi o desempenho de Vermeersch, aos 22 anos, consolidando-se como um ciclista de clássicas. Os dois primeiros novatos na prova.

Ciclistas de clássicas são diferentes dos ciclistas de tour. Um ciclista de tour, se perde tempo num dia pode tentar recuperar em outro dia. Caracteriza-se muito mais pela constância. Ciclistas de clássicas dão tudo de si num único dia. Não precisam preocupar-se com o dia seguinte. Por isso não vimos os ganhadores do Tour de France, do Giro d’Italia ou da Vuelta de España disputando a Paris Roubaix, sendo raros na história os que venceram grandes tours e também essa prova, com exceção do eterno ponto fora da curva, Eddy Merckx.

O que é a Paris-Roubaix? Uma corrida maluca? Uma “connerie” (besteira) como disse Bernard Hinault certa vez? Ou talvez a mais flamejante das clássicas, corridas de um dia, que encarna o espírito do tudo ou nada de uma clássica como nenhuma outra? O grande laboratório de resistência das bicicletas e de todas as juntas do corpo do ou da ciclista que a disputa? Ocorre desde 1896, e esse ano foi adiada (sempre ocorre em abril, esse ano em outubro, dada pandemia, 2020 não teve), mas ocorreu. E se foi o “inferno do norte” para os participantes, para nós que apenas assistíamos, foi pura diversão.

Em tempo. No masculino, o participante mais jovem, de 20 anos, Quinn Simmons (Trek-Segafredo) e o participante mais velho, de 39 anos, Marcel Sieberg (Bharain Victorious) não terminaram a prova. No feminino, a mais jovem, de 18 anos, Nora Tveit (Team Coop – Hitec Products) não completou a prova e a mais velha, de 40 anos, Trixi Worrack (Trek-Segafredo Women) chegou fora do tempo limite.

3 Respostas para “Paris-Roubaix 2021: o caos e a lama

  1. Senti falta do seu comentário sobre coroas únicas. Foi algo que vi durante a transmissão da prova feminina.

    • Na transmissão feminina estavam especulando sobre a possibilidade de alguém usar coroa única, mas na prova masculina não vi sistema 1X. É uma inovação do MTB que não faz muito sucesso na estrada por diversos motivos.

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