Bicicleta: o anão e o basquete

Quem de fato é o maior número das pessoas que pedalam?

Esse cara é mais importante para o mercado da bicicleta do que se pensa!

Assim, imagine alguém com nanismo que queira brincar no basquete. Claro, essa pessoa nunca será um profissional da NBA. Mesmo que tenha o melhor equipamento. Mas isso não impede que se divirta com os amigos, jogando basquete. Não vai enterrar, mas pode, sem tomar toco, arremessar da linha de 3 pontos e acertar. Seu basquete nunca terá o nível profissional, mas sempre será uma diversão.

Boa parte das pessoas que pedalam são como esse anão que se diverte no basquete. Não têm o tipo físico dos ciclistas de competição. Muitas estão acima do peso. Muitas têm muito mais do que 20 ou 30 anos.

Muitas dessas pessoas até possuem bicicletas de nível profissional. Mas não têm a cadência dos profissionais. Pedalam com 60 ou 80 pedaladas por minuto, às vezes menos, e não com 100 ou 120 pedaladas por minuto como um profissional.

Mas temos, como qualquer praticante de uma atividade física ou um esporte, um certo fetiche pelo equipamento profissional. Pois o equipamento profissional é de melhor qualidade. Claro, é uma delícia pedalar uma bicicleta com um grupo todo Dura Ace, por exemplo. Se podemos, fazemo-lo. Mas nunca com o desempenho de um profissional. No máximo somos amadores avançados.

Mas nós somos o mercado da bicicleta. Há mais MTBs circulando num domingo em estradinhas de terra ao redor do mundo do que participando de competições profissionais. Há mais estradeiras nas estradas andando a 20 ou 30 km/h na mão de amadores do que na mão de profissionais.

Certa vez, a Campagnolo, que faz peças “high end”, de ótima qualidade, e não têm pecinhas baratas, divulgou que 70% das pedivelas que havia vendido num certo ano, mesmo nos grupos superiores, eram pedivelas compactas – com coroas de 50 e 34 dentes – que garantem marchas mais leves que a tradicional pedivela das estradeiras, com coroas de 52 ou 53 dentes e de 39 dentes.

Pois, havendo dinheiro para tanto, amadores procuram peças de alta qualidade. Nós, os pangarés, somos o verdadeiro mercado da bicicleta. E é para nós que as bicicletas devem ser feitas, mesmo as mais caras. Não é por acaso que fabricantes de bicicletas possuem, por exemplo, no caso das estradeiras, duas ou três geometrias diferentes, sendo uma delas mais relaxada: mais confortável, com traseira mais longa e não raro encaixes para paralamas. Heresia? Não. Mas adaptação do mercado ao uso dado pelos amadores.

Trek Domane SLR7. Custa atualmente 64 mil reais. Aceita pneus de até 38mm e tem encaixes para para-lamas. Pedivela compacta, cassete 11-34. Afinal, amadores precisam de marchas mais leves. Clique na imagem.

São os amadores, os que se divertem em cima da bicicleta, que sustentam o mercado ciclístico. E mais, temos mais dinheiro em conta aos 50 anos que aos 18 anos. Somos nós que compramos nossas bicicletas, não a equipe e seus patrocinadores. Sim, talvez e quase sempre, não somos os compradores da bicicleta postada acima. Compramos bicicletas bem mais baratas e às vezes vamos melhorando aos poucos a configuração, dentro das nossas posses e, no caso do Brasil, de acordo com a cotação do dólar.

Aliás, a chegada do freio a disco na bicicleta de estrada se deu muito mais pela pressão do mercado amador do que pelo gosto dos profissionais. Muitos amadores aprenderam a pedalar – que é um degrau acima de apenas andar de bicicleta – em MTBs com freios a disco, e incentivaram a migração dessa tecnologia para bicicletas de estrada, a contragosto do pelotão profissional. Tanto que há equipes categoria World Tour (a mais alta) que usam bicicletas somente com freios de aro (a Ineos Grenadier de Egan Bernal, vencedor do Giro d’Italia de 2021 é um exemplo), e equipes que possuem os dois tipos de bicicletas.

Hoje há uma multiplicidade de fabricantes de peças, bicicletas inteiras, roupas para ciclismo e outros acessórios, e vivem basicamente do mercado amador. Por exemplo, os diversos fabricantes de alforjes para bicicletas, que têm entre seus clientes basicamente usuários urbanos e sobretudo cicloturistas. Da mesma forma, as confecções de roupas para ciclistas fazem suas peças na maioria para o mercado amador.

Mas ocorre que o mercado da bicicleta não é como o mercado de carros. Você nunca verá um carro de Fórmula 1 circulando pelo seu bairro, mas pode ver uma bicicleta de competição fazendo isso. Dificilmente você terá dinheiro para comprar um carro de Fórmula 1, mas pode, mesmo que venda seu carro, comprar uma bicicleta igualzinha àquela que Tadej Pogačar está usando para vencer o Tour de France de 2021. E num lugar seguro, pode sair com ela na rua e pedalar tranquilamente. Você pode fazer isso com bicicletas de qualquer modalidade.

Nós, os amadores, os que pedalam por gosto quando dá, e não os profissionais, é que sustentamos o mercado da bicicleta. Nós, que usamos a bicicleta para transporte, ou para passeio. Nós, que às vezes até treinamos, mas não participamos de competições sérias, mas de audaxes, de desafios e etc. Nós que viajamos em bicicleta. Nós que fazemos entregas em bicicleta. Nós somos o mercado. Saibamos agir como tal. E façamos os fabricantes em geral aprender a satisfazer nossas necessidades.

Uma resposta para “Bicicleta: o anão e o basquete

Deixe um comentário