Randoneiras

Randoneiras são as bicicletas modificadas ou construídas para fazer audaxes, brevets. Vamos entendê-las!

Os audaxes, brevets, começam em 200km. São de 200km, 300km, 400km, 600km, 1000km, 1200, km, 1500km…. São distâncias maiores que das provas de competição de estrada, em sua maioria. Algumas provas de competição clássicas ultrapassam os 200 km de distância, mas não chegam aos 300km.

A média de velocidade exigida nos brevets é baixa: 15 km/h, mas contando o tempo parado nos Postos de Controle, os PCs. Assim, 200km se faz em até 13 horas e meia, 300km em 20 horas, 400km em 27 horas, 600km em 40 horas e assim vai.

Mas os ciclistas que os percorrem são amadores. Não são os profissionais que vivem pra pedalar. Os trajetos costumam ser em asfalto, mas às vezes o asfalto é ruim, às vezes há trechos de paralelepípedos ou terra.

Então que tipo de bicicleta se usa numa prova não competitiva como essa? Pode-se usar qualquer bicicleta, mas a maioria usa estradeiras modificadas. As mais recentes estradeiras permitem às vezes pneus de 28 ou 30mm de espessura, mas as antigas permitem pneus de 23mm ou 25mm. Alguns preferem usar as gravel bikes com pneus finos. Outros preferem MTBs também com pneus finos. Estas duas últimas mais usadas nos brevets mistos, que incluem trecho em terra.

Specialized usada pelo Fabio Guariglia: pedivela compacta, cassete grande, uma bolsa de selim grande, pneu reserva, luzes, farol forte, selim Brooks já amaciado pelo uso, paralama traseiro.

Gravel bikes permitem que se use pneus de 32 ou 38mm, que dá pra usar em chão batido e rolam relativamente bem no asfalto. No entanto algumas gravel bikes possuem geometrias não muito interessantes pra longa distância, com caixas de movimento central muito altas. Isso eleva o centro de gravidade e faz sentido nas trilhas, para não se bater o pedal no chão, mas em longos pedais o esforço de equilíbrio do corpo é maior. Tradicionalmente, bicicletas de estrada, bicicletas de cicloturismo e etc possuem caixa de movimento central baixa por esse motivo. Como há gravel bikes com tudo quanto é tipo de geometria atualmente, escolha uma com geometria mais semelhante a uma bicicleta de estrada, coloque os pneus adequados ao trajeto e seja feliz.

As marchas costumam ser mais leves que de uma estradeira comum. Enquanto uma estradeira comum pode usar uma pedivela com coroas de 52/53 e 39 dentes, e um cassete com pinhões de 11 a 25 ou 27 dentes, as randoneiras costumam ter pedivelas compactas de coroas de 50 e 34 dentes, 46 e 30 dentes, 48 e 32 dentes, ou eventualmente pedivelas triplas com coroa menor de 30 ou até 24 dentes, e cassetes de uma amplitude maior. Antes, para colocar um cassete 11-34 numa estradeira precisava-se colocar um câmbio traseiro de MTB. Hoje alguns grupos de estrada, usados nas gravel bikes, permitem cassetes de amplitude maior, de até 32 ou 34 dentes no pinhão maior, muito embora alguns randoneiros prefiram usar cassetes com pinhões de até 40 ou 42 dentes. Pode ficar uma relação com uns buracos entre as marchas, mas isso não é problema. Claro, isso varia com a preferência pessoal e a altimetria do trajeto.

A geometria dessas bicicletas também precisa ser mais relaxada. Guidões mais altos: mesas de angulação positiva e até extensores de espiga são usados. É comum trocar-se um guidão mais estreito por um mais largo. Alguns ainda acrescentam as manetes auxiliares de freio, na parte mais alta do guidão drop. No caso de quem usa MTBs para fazer audaxes, um guidão borboleta, que aumenta muito as possibilidades de pegada, ajuda bastante.

As rodas merecem atenção. Precisam resistir bem ao trajeto, serem adequadas ao peso do ciclista mais a tralha que carrega. Nem sempre uma levíssima roda de competição aguenta o tranco, pois é comum que nos trajetos tenhamos asfalto ruim ou paralelepípedos. Fabio Guariglia conta-nos que no último brevet cruzou com pelo menos 3 participantes com problemas de quebra de raios nas rodas de 20 e 24 raios. O ideal é rodas de 32 ou 36 dentes. Claro, se puder, rodas com aros e cubos DT montadas por Herr Richard Dünner, como o Fabio usa. Mas na prática, rodinhas relativamente baratas mas bem montadas, com 32 e/ou 36 raios dão conta do recado, pois ficam relativamente alinhadas mesmo que quebrem um raio e dá pra terminar a prova assim.

As rodas também precisam ser facilmente retiradas para o caso de furo, para reparo. Eu prefiro rodas com blocagens, e não usar freio a disco. Outros ciclistas preferem bicicletas com freio a disco. Isso é uma opção pessoal, e se vai usar rodas que precisam de ferramentas especiais para serem retiradas, leve as ferramentas na tralha do brevet.

O selim é um caso à parte. Há uma diferença entre um selim usável por 50 km e um selim que se usa para fazer um trajeto de 200km ou mais. Por exemplo, eu estava com um selim Fizik Arione, reto, numa bicicleta Cannondale Caad8 que estou adaptando para fazer audaxes e viagens. Em trajetos de até 50km o selim era confortável. Fiz um raid de quase 160km usando esse selim nessa bicicleta há poucos dias, e o selim se mostrou desconfortável. Já troquei o selim, por um tipo de selim de couro suspenso, de uso comum entre randoneiros ao redor do mundo: um Brooks. Numa outra bicicleta que já usei pra audaxes, uso um selim de couro suspenso Gilles Berthoud, que já ultrapassou seus limites, agora está com algumas folgas fazendo barulho ao se pedalar…

Selins de couro suspenso amaciam com o tempo, tomam a forma do seu corpo. São mais pesados, e, por exemplo, um Brooks Swift com armação em aço pesa cerca de 500g, contra os 220g de um Fizik Aliante R3 regular. Um Brooks Swift com a armação em titânio é mais leve, mas não muito: 400g. Claro, não vemos esses selins nas bicicletas usadas nas competições de estrada, mas vemos entre bicicletas usadas por cicloturistas e randoneiros. Assim como nas bicicletas de estrada de competição os guidões são mais baixos, e nas bicicletas usadas em audaxes, ligeiramente mais altos.

Mas selim é uma escolha absolutamente pessoal. O selim que serve para mim pode não servir para você. O selim que não é desconfortável por 50 km pode ser um instrumento de tortura por 300km. É preciso testar. E não esquecer de usar bermuda ou bretelle adequados, bem como os cremes anti atrito. Afinal, pessoas comuns têm assaduras e precisam prevení-las se querem fazer pedal de longa distância.

Alguns randoneiros ainda preferem bicicletas com quadros em aço cromo-molibdênio ou outras ligas de aço, às vezes feitas sob medida. Outros escolhem as estradeiras de gran fondo e as adaptam, levantando um pouquinho mais o guidão e alterando o cassete, eventualmente a pedivela também.

Embora hoje a maioria das bicicletas de estrada vendidas no mercado já venham com ao menos 10 marchas atrás, às vezes usamos nos brevets bicicletas um pouco mais antigas. Dou exemplo da Cannondale Caad8 que estou adaptando. Ela tem olhais para se colocar bagageiro atrás. Isso nem sempre se acha numa bicicleta mais atual. Foi um detalhe que me chamou a atenção quando comprei essa bicicleta.

Estas bicicletas mais antigas vêm com sistemas de 8 ou 9 marchas atrás, e muitos randonneurs não as atualizam, pois correntes de 9v e sobretudo de 8v duram mais. Randonneur roda bastante, pedala muito, gasta corrente, cassete.

A Caad8 2010 que estou adaptando veio com pedivela tripla (52-42-30), raridade hoje em dia. Já ganhou um cassete 11-32 e já está guardado um 11-34 de reserva. Na pedivela, a coroa de 30 dentes foi substituída por uma coroa pequena de apenas 24 dentes que é a menor coroa possível praquela pedivela tripla FSA. Claro que de 24 pra 42 dentes o salto é grande. Essa coroa de 42 dentes será substituída por uma coroa de 39 dentes assim que eu achar uma coroa assim que tenha os “degraus” pra subir marcha.

Como tenho problemas no ombro crônicos devidos a atropelamentos, coloquei o guidão numa posição mais alta usando um extensor de espiga. Ela usa sistema de 8 marchas (com pedivela tripla, 24 marchas portanto), e tem uma boa amplitude de marchas. A marcha mais leve me permite subir os “muros” do meu bairro sem precisar pedalar em pé, por exemplo.

Há colegas que preferem bicicletas com pedivelas compactas e cassetes 11-40 ou 11-42. Isso garante tanto marchas mais pesadas para rodar no plano ou em descidas, mas também marchas mais leves para subidas cascudas, ou até para subidas suaves mas que se está pedalando sob exaustão. Afinal, no término de um brevet de 400 km, eu queria colocar a marcha mais leve até pra subir lombada… Eu gosto de pedivelas triplas de estrada, mas essas estão cada vez mais raras de se encontrar. Por outro lado, nos últimos anos apareceram os cassetes com pinhões maiores que 34 dentes. Mas meu sonho é ter tanta amplitude de marchas que a mais longa tenha 10m de deslocamento por pedalada, e a mais curta 1,3m por pedalada, como tenho na marcha mais leve de uma MTB aro 26 que tenho.

Afinal, se há uma subida de 6km, que se sobe a 6km/h pedalando, leva-se uma hora. Empurrando a bicicleta, anda-se a cerca de 4 km/h, e essa subida levaria uma hora e meia para ser percorrida. Claro que o ideal é subir muito mais rápido do que 6 km/h, mas subindo uma serra tendo pedalado por mais de 15 ou 20 horas já, pode ser essa a sua velocidade possível com as pernas fracas.

Faróis e lanternas de longa duração de baterias e ou pilhas são usados também, lembrando que para um brevet de 600km, pode-se largar às 4h da manhã de um dia e se chegar até 20h do outro dia, portanto, pega-se um pouquinho de noite, um dia inteiro, uma noite inteira, mais um dia inteiro e um começo de noite. Alguns preferem usar cubos-dínamo. Outros usam lanternas recarregáveis ligadas a baterias de longa duração e/ou power banks. Eu estou testando uma lanterninha “tática” forte ligada permanentemente a um power bank, ela ilumina melhor que meu farol Cateye. Um colega usa um farol recarregável com o fio do carregador plugado num power bank. Pois apenas 5h de luz é muito pouco para qualquer brevet acima dos 200km. Um brevet de 300km dura 20h, se larga às 7 da manhã termina à 1h do dia seguinte. São pelo menos 6 ou 7 horas na escuridão até o horário limite.

Mas iluminação mereceria todo um post nesse blog, para se falar de dínamos, faróis a pilha, lanternas adaptadas e etc. Hoje há muitas opções no mercado, muito mais que há alguns anos, e tendo criatividade se tem um bom sistema de iluminação não muito caro que funcione a contento tanto do ponto de vista de iluminação quanto de duração dessa mesma iluminação. Pois se nas subidas não precisamos ver mais do que alguns metros, nas descidas precisamos enxergar mais longe. E a falta de iluminação adequada, além de fazer o ou a ciclista pedalar mais devagar, pode causar acidentes.

E não se confunde a iluminação com a sinalização, essa é composta por luzes vermelhas na traseira da bicicleta. Alguns clubes exigem uma luz vermelha, outros exigem duas luzes vermelhas atrás, cumpra a regra do clube pelo qual está fazendo o brevet. Essa sinalização é necessária, use luzes vermelhas fortes e de longa duração. Há diversas opções no mercado a pilha, e pilhas alcalinas duram o suficiente para qualquer brevet. Já aquelas alimentadas por baterias pequenas como moedas e com um ou dois leds devem ser evitadas, pois não são vistas à distância na estrada, e não são permitidas por alguns clubes de audax. Verifique se a luz continua funcionando mesmo com as vibrações da bicicleta. Há algum tempo comprei uma luz vermelha forte, bacana mesmo, mas que tinha o problema de soltar as pilhas do lugar com vibração. Resolvi isso utilizando um calço. Portanto, antes de fazer um brevet, teste suas luzes e sinalizações, seus faróis, para não ter surpresas desagradáveis na estrada.

Lembrando que coletes refletivos são mandatórios mesmo durante o dia.

Às vezes bagageiros são adicionados para se carregar bolsas, ou bolsas de selim maiores são usadas, onde se levam 2 ou 3 câmaras, eventualmente pneu reserva ou manchões e também um kit de remendo, ferramentas o suficiente, mas também roupa reserva, manguitos, pernitos, corta-vento, pilhas de reserva, comida e etc. Tralha suficiente pra não caber nos 3 bolsos de uma camisa de ciclismo.

Outros randoneiros acrescentam ou usam também bolsas de guidão, e eventualmente pequenos bagageiros dianteiros para levar a tralha que garante autonomia e solução para eventuais problemas surgidos na estrada durante o brevet.

O uso de para-lamas não é mandatório mas é comum.

Os pneus costumam ser mais borrachudos. Schwalbe Marathon, Continental Grand Prix GT e outros, são exemplos de pneus com até 5mm de espessura da borracha e boa proteção contra furos, não são absolutamente infuráveis, mas resistem bem. Já vi randoneiros falando em usar duas fitas anti-furo dentro do pneu. Pois há uma diferença danada entre furar o pneu da bicicleta numa manhã ensolarada ou à 1h da madrugada. Já passei por isso: a lanterna da bicicleta na boca e a luz da lua pra iluminar, e eu trocando a câmara e inflando o pneu com a bombinha.

Detalhe, cartuchos de CO2 são práticos, mas o CO2 parece manter a pressão do pneu por poucas horas, vale no primeiro PC se houver uma bomba de pé substituí-lo por ar.

Por falar em bomba de ar, vale levar uma que permita inflar o pneu adequadamente. Claro que o ideal seria uma bomba de pé, mas esta é trambolhuda e pesada. Mas algumas bombas de ar são pequenas demais e muito lentas e desconfortáveis para encher o pneu, embora bem leves. Há quem leve um manômetro, ou prefira uma bomba com manômetro. Em alguns brevets, a organização possui estruturas nos PCs que incluem uma bomba de pé onde se pode calibrar adequadamente o pneu que se encheu com a bomba de mão na estrada. Outros brevets têm menor estrutura, ou mesmo os PCs são virtuais, comprovando-se estar ali em determinado horário pela nota fiscal de alguma compra no local. Por isso, levar uma bomba de ar adequada é mandatório. Afinal, nem sempre conseguimos calibrar os pneus de bicicleta com a pressão adequada em postos de gasolina, cujos compressores não raro chegam a apenas 80 libras de pressão e é comum que as randoneiras usem pneus com mais de 100 libras de pressão mínima.

De modo que o randonneur é, antes de tudo, um ciclista autônomo, sem carros de apoio, devendo ele mesmo cuidar de todos os problemas que surgem, sejam eles quais forem, recebendo apoio, quando muito, da organização ou de outros participantes do brevet.

Audaxes são modalidades extremas de cicloturismo, não competições. Importa mais chegar dentro do tempo máximo estipulado, brevetar, do que ter o melhor tempo. Há, claro, alguns apressadinhos, mas como disse um colega pândego num brevet de 300km,”eu paguei por 20h de audax, por que vou pedalar mais rápido?”

É, a bicicleta que se usa pra fazer audaxes, brevets, não é a mais rápida, mas também não é a mais lenta, e não é a mais desconfortável. Por isso não se usa bicicleta de contra-relógio, que é rápida, aerodinâmica, mas não é feita pra se ficar em cima dela por períodos de 10, 20 40 horas.

Uma randoneira é uma bicicleta para se ficar muito tempo em cima, e mesmo assim continuando a pedalar. Afinal, um audax é pedalar até não aguentar mais e daí pedalar mais 100km.

Não há regras, use a bicicleta que lhe for mais confortável, mas que mesmo assim tenha um bom desempenho, seja em plano, descida ou subida. Pois num brevet temos todo tipo de relevo. Se quiser, faça seu brevet usando sua MTB, mas com pneus adequados ao piso predominante do trajeto. Há quem faça brevets em bicicletas dobráveis, mas também todas mexidas para aguentar o rojão. E nem falamos de quem faz brevets em bicicletas reclinadas. Não há regras absolutas nos audaxes, a não ser as de iluminação e sinalização obrigatória, coletes refletivos, capacetes e ausência de motor e de apoio externo. O resto é escolha sua, priorizando o desempenho, mas mantendo um mínimo de conforto para quem vai ficar muitas e muitas horas sobre a bicicleta. Prefere guidão reto? Use. Prefere uma gravel a uma estradeira, use. Afinal, fazendo brevets há quase 20 anos, já vi de tudo na estrada. Mas é fato que vamos aprendendo, pois não importa a modinha, mas o que funcione, que permita ir mais longe, se possível mais rápido, mas com um conforto mínimo pra aguentar pedalar por 12, 20, 27, 40 horas…

E o randoneiro precisa estar preparado para tudo! Pedalemos!

4 Respostas para “Randoneiras

  1. Excelente post, mostra bem o estilo randonneurs.

  2. Pingback: Artigo: Bicicletas Randoneiras – Inconfidentes Pedalantes Clube Randonneur

  3. continue postando , ja li tudo !

  4. Carlos Rubens Boffa Rocha

    Tenho uma velha Peugeot,quadro grande, hj com doze marchas,um guidão de Montain bike, paralamas,os mesmos freios Mavac originais,a roda traseira é atual,e a dianteira é original,Araya creio,36 raios inoxidáveis,nas duas.Perfeita e funcionando perfeitamente ainda, não tem pra ninguém se puder domar a “máquina”, ciclista diário de médias distâncias aqui na baixada santista estamos até que bem servidos de ciclovias, precisa mais.

    Pedalando sempre em segurança respeita a sinalização!

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