o mundo observa o brasil

o caso do atropelamento coletivo de ciclistas na cidade de porto alegre circulou o mundo, tendo grande repercussão.

Hallam Sharros Design

o brasil agora está sob observação. nosso sonho de crescimento nacional, de brasil grande, passa pela reestruturação do que chamamos de trânsito, da mobilidade humana, dentro das cidades e entre elas.

não podemos querer ser nação de ponta se nosso trânsito é mais desorganizado do que em muitos países tidos como mais atrasados. como lembrou o alexandre garcia, jornalista da rede globo, que não é exatamente uma das pessoas mais progressistas, não há o que justifique aquela barbaridade, e que é diferente nos países de centro, onde um motorista ao ver um ciclista simplesmente  toma uma série de precauções, pois não haverá discussão sobre culpa em caso de acidente: o motorista responderá.

pois bem, nessa terça, em buenos aires, ciclistas farão uma bicicletada de protesto indo até a embaixada brasileira (o futebol divide, a bicicleta une). o caso é notícia na rede americana cbs, na bbc de londres, no diário espanhol el mundo, no jornal canadense toronto star, e em outros jornais pelo mundo. e claro, em zilhões de blogs e fóruns de discussão de ciclistas (gostei muito deste). basta citar que a bicicletada de san francisco (a original, mãe de todas), dedicará sua bicicletada de março aos atropelados de porto alegre.

mas isso levanta a questão: o que temos a mostrar  em matéria de trânsito? nada, a não ser subdesenvolvimento. o panóptico informa mortes no trânsito em 2008: 39,211 pessoas perderam a vida. a título de comparação, entre 2003, quando george w. bush declarou o fim da guerra do iraque, e 2008, morreram cerca de 4.000 soldados americanos. durante os seus 133 anos de participação na guerra do vietnã, morreram 58.203 mortos.

isso dá uma ideia do genocídio anual brasileiro no trânsito. quem são as vítimas? na sua grande maioria, ciclistas e pedestres.  e ainda podemos acrescentar o número altíssimo de mortos pelos problemas de poluição. os que morrem por ano em são paulo por esse fator somam o número de mortos americanos no iraque entre 2003 e 2008.  ou seja, talvez seja mais seguro ser um soldado americano no iraque do que um cidadão paulistano pedestre ou ciclista, podendo morrer tanto atropelado quanto sufocado.

mas números são frios. quando nós colocamos nomes, datas, situações, as coisas ficam mais claras. uma noite, em curitiba, alguém sai bêbado dirigindo com umas putas dentro do carro. desce uma rua numa contra-mão e atravessa um farol vermelho, pegando na lateral de um táxi, em cheio. no táxi, o motorista, um rapaz e uma moça no banco de trás. o carro rodopia e a moça é jogada pra fora do carro, batendo com a cabeça. estava no último ano de direito e no terceiro de filosofia. pintava muito bem, tinha apurado gosto musical, era linda. um pai enterrou a filha no dia dos pais. isso foi há seis anos. não dou nomes aqui, apenas em conversa de boteco, para não expor a família. basta citar também que o taxista abandonou a profissão, adquiriu síndrome do pânico e trata-se de depressão.

todo acidente de trânsito encerra uma tragédia, havendo óbitos ou não. uma pessoa atropelada, sobrevivente, passa anos sonhando com o episódio. o som de cada freiada próxima faz seu coração bater muito rápido. a respiração fica pesada.

o brasil tem um número infelizmente muito grande de pessoas com seqüelas graves decorrentes de acidentes. além das tragédias familiares, isso representa um custo econômico muito grande. são milhões em remédios, operações, reabilitações. e também uma perda gigantesca de material humano. o que representa a morte de um neurocirurgião competente no auge de sua carreira? como mensurar a falta de sua atuação, em diversos pacientes que não chegaram a ser atendidos por ele? o que significa a incapacitação profissional de um bom policial, de um bom enfermeiro?

o brasil desperdiça pessoas. poderíamos evitar. mas como disse o willian, tem que tirar a cabeça pra fora do buraco pra enxergar tudo isso…. perdemos a dimensão do humano.

mas tem gente que enxerga, pelos olhos próprios e pelos dos outros. quer um exemplo? leia esse post do bicicreteiro. um bom retrato do que acontece nesse brasilzão…. é, pode melhorar, mas pra ficar bom falta muito!

esquecemos que uma sociedade se faz com cidadãos, não com consumidores. há diferença, embora possam ser a mesma pessoa. nas sociedades minimamente organizadas, o cidadão se sobrepõe ao consumidor. assim, o pedestre é rei, as ruas têm bancos, as praças têm bancos, há banheiros públicos, as calçadas são largas. pois o lugar no cidadão é no espaço público, espaço de convivência por excelência.

no mundo regido pelo consumo, o que importa são consumidores. portanto, tudo é pago pela via privada (além de já ter sido pago pela via pública). pois bem, assim não há bancos nas praças para que não sejam usados por aqueles abaixo da linha de consumo, aqueles que moram nas ruas. a sociedade não se responsabiliza por eles. não os quer perto, utiliza da arquitetura anti-mendigo em vez de ao menos tentar resolver o problema da mendicância. basta dizer que aqui em são paulo diversos albergues para moradores de rua, que funcionavam precariamente (sem, por exemplo, oferecer um local para que eles guardassem o material reciclado que muitas vezes recolhem e cuja venda fazem de sustento – ou seja, escolher dormir na cama e tomar um banho pode significar não ter o que comer no dia seguinte), foram fechados pela prefeitura que não reabriu mais nada. ora, estão pelas ruas, sendo… moradores de rua.

há quem não veja: mora num apartamento-caixote, dele sai num carro-caixote para trabalhar num escritório-caixote. nos finais de semana vai para o caixote-mor: o shopping center (onde o mendigo não entra, mas assaltante sim…). não coloca os pés nas ruas.

pois bem, esse cidadão com cabeça quadrada de caixote pode não ver a cidade onde mora. mas e os estrangeiros que estão a chegar para a copa do mundo, para as olimpíadas…. é, o mundo observa o brasil. e acabará vendo uma classe média cujo rosto é muito feio… e que tem as pernas trofiadas, pois usa a bunda pra se locomover.

p.s.: nossas ações estão sob escrutínio alheio. clique no link para ver um post no urban repair squad, de toronto, sobre a praça do ciclista, em são paulo.

p.s.2. o que fazer quando um cidadão diz que a lei seca interfere no seu direito de ir e vir? cometo suicídio ritual?

4 Respostas para “o mundo observa o brasil

  1. Sua pressa não vale uma vida


    a lívia araújo vai na mesma linha: o que tem em comum o rodeio de gordas e o atropelamento de porto alegre? tudo. leia o post dela.

  2. ótimas observações.
    leia: “A automovelcracia”, por Eduardo Galeano: o carro domina nossa razão e nossa emoção.
    http://www.viaciclo.org.br/portal/artigos/99-artigos/389-automovelcracia

  3. ótimo texto. Cada acidente é uma tragédia pessoal e familiar. é um mundo que entra em colapso. Mais amor, menos motor!

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