344

ontem, 23 de maio de 2014, na cidade de são paulo, a CET registrou 344 km de congestionamentos.  sabemos que a CET não mapeia a cidade inteira, portanto, os números reais devem passar de 1.000 km de congestionamentos.

quando ainda havia apenas 337 km de congestionamento...  imagem da própria CET.

quando ainda havia apenas 337 km de congestionamento… imagem da própria CET.

o que levou  a isso? diz a CET que foram a chuva, alguns semáforos quebrados e um buraco na alça de acesso de uma ponte sobre o rio pinheiros.

afinal, quando o copo está cheio, basta uma gota para transbordar, não?

avenida 23 de maio no dia 23 de maio. trânsito nos dois sentidos, pois todo mundo está no lugar errado e precisa voltar para casa.

avenida 23 de maio no dia 23 de maio. trânsito nos dois sentidos, pois todo mundo está no lugar errado e precisa voltar para casa.

são paulo sempre foi o paraíso da iniciativa privada no campo da construção civil, e claro, por isso mesmo, tornou-se um pesadelo urbanístico. o mercado administrou a cidade nos últimos 100 anos, e deu no que deu. pois o mercado atende consumidores, e não cidadãos. cidadãos tem direitos, consumidores poder de consumo. ou não.

assim, o que hoje acontece com a cidade, a gentrificação, é o retrato do que sempre aconteceu. há muito temos o enriquecimento, enobrecimento de algumas áreas da cidade com a expulsão de seus moradores. expulsos pelos preços dos alugueis, IPTU, pressão de compra por parte de construtoras e etc…

e assim a classe média se muda pra um pouco mais  longe. a classe imediatamente mais baixa dá lugar a essa classe média e muda pra ainda mais longe, e por fim os pobres vão pra p.q.p….

e assim se arma a outra arapuca: os problemas de transporte. quem antes ia a pé para o trabalho hoje pega ônibus ou carro. quem antes pegava um ônibus, hoje pega metrô e ônibus, ou dois ônibus, ou anda ainda mais de carro. e, por fim, os que pegam 4 conduções para chegar ao trabalho…. mas é tudo negócio: construções cada vez mais longe, novas construções de alto padrão nos lugares “enobrecidos”, sistema de transporte, construção de nova infra-estrutura urbana…  mas quem paga por isso?

os custos são diversos. quanto custa a piora das condições de vida de quem passa a morar cada vez mais longe? pois sua saúde piora com o stress e também aumentam os poluentes em circulação no ar da cidade. quem leva mais de 30 minutos para chegar ao local dos seus afazeres já está sofrendo danos.

são paulo e sua indefectível cobertura de poluição

são paulo e sua indefectível cobertura de poluição

e claro, os melhores serviços sociais, que deveriam atender prioritariamente os mais pobres, estão situados nos bairros mais ricos. duvida? leia aqui.

um exemplo é o da vila itororó. tombada, teve seus moradores pobres expulsos. agora será restaurada. e onde estão seus antigos moradores? note-se que seu restauro será feito com dinheiro público….

esse processo, longo de mais de 100 anos, de gentrificação cria constantemente a sensação de marginalização social por parte de quem mora mais longe. sensação que vai da ida ao posto de saúde à escola, do trabalho ao transporte. não raro manifestando-se de um mal-estar a a uma agressividade. e claro, passando pelo ressentimento social e o eterno receio de rejeição. o que não raro gera disputas mesquinhas sobre pequenos confortos, como se vê nesse vídeo, gravado no metrô de sp, durante a greve dos motoristas de ônibus.

o fato é que a metrópole tornou-se uma fábrica de descontentamento, uma usina de mal-estar generalizado. e isso graças a um urbanismo excludente e, por isso, criminogênico, uma vez que o consumidor se sobrepõe ao cidadão: não-consumidor => não-cidadão.

ora, o surto de compra de automóveis nos últimos anos apenas reflete o desespero das classe mais baixas em atingir sua ascensão social, não apenas no sentido de permitir-se uma melhora, mas ter acesso a um tratamento social digno. mas o sonho tornou-se pesadelo, acrescido da alta dos custos de moradia. arapuca formada, à municipalidade cabe apenas a política de enxugamento de gelo, uma vez que a reforma urbana necessária não está no horizonte de nenhum governante da cidade, atual ou passado.  afinal, quem mais ganha como processo de gentrificação, as construtoras, não à toa, é quem mais contribui com doações a políticos em campanha: todos eles abocanharam consideráveis recurso, e não apenas o prefeito eleito.

o governo do estado age apenas com o cinismo típico do soberano que dá as costas aos súditos: rouba o doce, como aqui e aqui, e senta o cacete se há reclamação ou reação, como aqui e aqui.

arapuca formada, sobram as tentativas individuais de salvar-se, tornar a vida menos árdua, menos dura, menos estressante. não à toa há tantas ocupações de áreas não utilizadas, de prédios a terrenos: é quem tenta a todo custo salva-se do aluguel caro. não à toa aumenta o número de usuários de bicicletas no transporte: é gente que não aguenta mais horas no trânsito nem ser tratado como sardinha em lata ou mesmo correr riscos no transporte público, pois tem até metrô pegando fogo em são paulo…

é. 344 km de congestionamento  são apenas sintoma  da enfermidade, talvez mortal, que toma o corpo da cidade. mas enquanto a cidade não morre, sobrevive-se, mas sabe-se lá como…. e assim, enquanto o mais pobre é imprensado como uma sardinha na lata, tanto no transporte quanto na moradia, o remediado sofre as outras violências.  e enquanto não se descobrir que o urbanismo pode causar ou evitar as violências, o quadro seguirá se agravando.

é….

marginal tietê, 1972. mudou muito?

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