bicicletada 10 anos: consolidação e ação

ninguém pedala impunemente em são paulo. ou em porto alegre. ou em seattle. ou em qualquer lugar do mundo que não a europa.

flyer da bicicletada de fev/2011

há poucos anos, o colega JP esteve em copenhaguen e procurou o ativismo de lá. não achou. como eles dizem, lutar pelo quê? a cidade é das mais cicláveis do mundo… mas são paulo não é assim. mas mesmo assim a bicicletada seguiu adiante.

a bicicletada consolidou-se. nunca deixou de ocorrer. de 2002 até inícios de 2004, ocorria aos sábados, e então passou para as sextas à noite.

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(no vídeo acima, uma bicicletada de 2003)

mas a bicicletada nunca foi apenas uma reunião mensal pra pedalar e panfletar. como qualquer movimento social contemporâneo, as redes de comunicação foram e são essenciais. elas oferecem tanto a comunicação necessária para a articulação de ações, quanto o ambiente necessário para que ocorram os conflitos e estes sejam dirimidos. assim se forjam identidades.

nesses anos todos, muito mais foi feito além de se pedalar uma vez por mês. muita troca de informações ocorreu. as pessoas se comunicam, trocam informações, conversam. trocam conhecimento.

muita gente aprendeu a pedalar como se deve dentro da bicicletada. aprendeu dicas de ter o domínio técnico da bicicleta. tornou-se um minimamente autônomo na manutenção do seu veículo. e mais, partiu para a ação.

muitas ações midiáticas, bem midiáticas, de intervenção no habitus, no ambiente urbano, foram realizadas. desde 2003, sem apoio oficial, a bicicletada realiza ações no dia mundial sem carro.

em 2003 a coisa foi tensa. de noite, um monte de ciclistas, muitos sem entender direito o que era a bicicletada, querendo fazer um rolê longo, quando a intenção era simplesmente rodar a paulista inteira, ida e volta. compactar, para que se pudesse usar pelo menos uma faixa inteira, e não simplesmente sair pedalando. baixou polícia, é claro, sem entender nada. deixamos o guarda falando sozinho….

tem cura, viu? foto: apocalipse motorizado

mas desde 2003 acontecem ações no dia mundial sem carro. mas não só nesse dia. mas o dia mundial sem carro já permitiu grande acesso à midia. em 2009, uma imensa faixa onde se lia “carrodependência tem cura” foi pendurada num viaduto de são paulo e ficou lá algumas horas, para ser vista pelos carrodependentes que por baixo dela passavam.

em outra situação, num jogo do brasil na copa, apareceu uma faixa de pedestres pintada numa alça de acesso à ponte da cidade universitária. afinal, se o poder público não se importa com vidas, os cidadãos se importam. a faixa assegurou travessia segura para muita gente….

ciclistas fazendo o que o poder público não fez. foto: luddista.

em diversas situações foram pintadas bicicletinhas no chão. pode parecer inócuo, mas isso alerta o motorista para a presença de ciclistas no local. e comprovadamente fica mais seguro pedalar por ali, onde há essa sinalização.

outras manifestações são recorrentes. instalar ghost-bikes no lugar onde um ciclista é morto, atropelado. a mais recente, em razão da morte da nossa amiga juliana ingrid dias, na avenida paulista, movimentou cerca de 800 ciclistas que o fizeram mesmo debaixo de uma chuva torrencial. perdi um celular molhado pela chuva, e outros também. tomados pela emoção, simplesmente esquecemos de proteger os celulares nos bolsos, molhados pela chuva e pelas nossas lágrimas.

mathias diante da ghost de julie. foto de gabriel cabral.

essas ações são necessárias? sim! serão necessárias até que a cidade se torne de fato mais humana. e claro, movimentos sociais sempre trabalham no limite da legalidade, pois ocorre a recorrente criminalização de seus atos. em nova york, logo após os ataques de 11 de setembro de 2001, a polícia tentou restringir a mobilidade de todos, inclusive ciclistas. coube à massa crítica local impor-se e lutar por direitos civis básicos.

o mesmo aconteceu em amsterdam, hoje símbolo da cidade com alta segurança nos transportes, pois baseados na bicicleta. não era amsterdam assim, não foi desde sempre assim. foi a situação de barbárie no trânsito que fez a população tomar as rédeas e inverter a lógica carrólatra. é esse o processo que está em andamento em são paulo e em outras capitais. por isso a bicicletada só aumenta.

mas essas ações muitas vezes geram reações. o poder público muitas vezes apaga sinalizações horizontais feitas por ciclistas. alguns já foram presos ao pintarem o chão dessa forma. da mesma forma há repressão policial à edição paulistana da World Naked Bike Ride.

repressão direcionada. na primeira edição, entre vários ciclistas nus, apenas um especificamente foi preso. quem viu percebeu que a prisão foi direcionada ao andré pasqualini.

claro, o mundo divide-se entre progressistas e conservadores. não seria estranho esperar que os conservadores também querem reprimir a bicicleta, e por tabela a bicicletada. é o medo da mudança de uma matriz. o novo sempre assusta. mesmo que seja o novo humanizador.

assim ele é visto no trânsito…

ainda há muito o que se fazer. até a cidade se tornar efetivamente humana, até que o humano seja visto e respeitado, e não só a caixa de lata, todas essas ações serão necessárias. elas são o motor da mudança. e agora, com o númeor cada vez maior de ciclistas nas ruas, elas aumentarão. pois algumas coisas mudaram. mas outras não. ouça no link abaixo a entrevista que o pablo fez comigo, em 2003. analise meu discurso na época. eu falava de bicicletas dobráveis e citava as ciclovias de cubatão-sp e joiville-sc. hoje podmeos falar de ciclovias n rio… mas em são paulo? onde estão ciclovias efetivas cruzando as pontes das marginais? essa entrevista tem hoje 9 anos, é dos primeiros registros sonoros acerca da bicicletada.

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há muito o que se fazer, e muitos estão fazendo. no próximo post, serão abordados os coletivos e as associações, as organizações formais e informais que saíram, que surgiram daquilo que a gente pode chamar de “planeta bicicletada”, “universo bicicletada”. veremos que não se trata apenas de defender o próprio direito de mobilidade, mas de defender uma outra forma de se viver nas grandes e pequenas cidades. uma forma de se viver melhor. e de se sonhar em ser feliz.

márcia prado (1968-2009). arte: cabelo.

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