ÚLTIMO POST DESTE BLOG.

Este blog morreu. Entenda, ou não, o motivo.

Este blog morreu. Eu já não tenho mais muita motivação para escrever.

Revelo que sou autista, e, como tal, como é comum em autistas, tenho hiperfoco. E bicicleta é um hiperfoco que rendeu esse blog e também minha tese de doutorado. Como autista, eu falo pra dedéu sobre meus hiperfocos, que são vários. Como sou superdotado, não raro minhas falas têm conteúdo.

Mas sou homem, branco, hétero.

Eu entendo e concordo que o Brasil é extremamente machista, racista, homofóbico, mas também capacitista Capacitismo é o preconceito para com pessoas com deficiência. Repito, eu sou autista, diagnosticado, meu diagnóstico está no meu RG. Só fui diagnosticado aos 49 anos, mas sou autista desde que nasci, ou antes, pois o autismo se forma no primeiro terço da gestação, quando não da geração, da fecundação.

Uma parte considerável das pessoas autistas têm hiperfocos. É meu caso. Esse blog, meus zilhões de comentários como “ogum777” no fórum http://www.pedal.com.br e inúmeros comentários no Facebook, são a manifestação de um transtorno, de uma deficiência mental. Sim, sou deficiente mental, embora sem deficiência intelectual.

Minha mente é cega para contextos. Não sei quando falar sobre um determinado assunto. Eu sei apenas falar e calar.

Hoje tomei mais uma porrada por falar de percurso de cicloturismo para uma pessoa, que me acusou de mansplaining. Para quem não sabe o que é isso, trata-se a ação intencional de determinados homens de tratar mulheres como pessoas sem cognição adequada, falando para elas de forma extremamente didática, mesmo sobre temas que elas dominam.

Eu sou autista, e professor. Não entendo contextos. Não sei como falo, mas desde os 9 anos de idade aprendi que devo explicar para as pessoas sobre o que estou falando. Aprendi isso com meus pais: minha mãe não entendeu o que eu falava sobre pitecantropos e australopitecos e meu pai não entendia nada de antimatéria. Minha professora de português na terceira série, mesma época, não sabia os nomes em latim dos hominídios que eu citava na redação. Aos 14, tive que explicar Kierkgaard para minha professora de português, citei numa redação. E minha vida inteira eu tenho o cuidado de não falar como eu vejo as situações, por qual motivo as pessoas não percebem o que pra mim é obvio.

Esse blog surgiu da sugestão de alguns colegas que queriam registrar minhas explicações sobre assuntos relacionados a bicicletas que eu me metia a explicar numa lista de e-mails. A lista não existe mais, as informações todas hoje estão no Google. Em alemão há sites com muitas infos sobre bicicletas. No entanto, não sei o que acontece com grande parte das pessoas que conheço que pedalam, elas parecem não saber muita coisa sobre suas próprias bicicletas. Sabem a cor, isso elas sabem. E informações muito superficiais: o quadro é de alumínio (mas que liga? que solda, que tratamento térmico?), tem um canote (qual medida?) e por aí vai. Mal sabem o ano em que foi produzida, e inobstante a informação esteja amplamente difundida na internet, não acham sequer o catálogo das bicicletas, não sabem medir coisas, não sabem usar um paquímetro, e por aí vai.

Passei esses últimos anos sendo um recurso para pessoas conhecidas. Por exemplo, uma colega certa vez me pediu a medida da caixa de direção da Luna. Luna, isso mesmo, era o nome personalístico que ela deu para a bicicleta dela, cujo modelo ano de fabricação, marca e etc. ela não sabia direito. Não por estarem os dados apagados. Tinha que eu lembrar ou ver foto da bicicleta dela, localizar modelo, ano, e etc., achar o catálogo e indicar qual caixa de direção comprar pela internet. Inúmeras situações assim sucederam-se.

Eu fiz o blog, e embora estivessem inúmeras informações aqui, as pessoas tinham e têm a pachorra de me perguntar em que post elas acham a informação. Sequer usam os mecanismos de busca.

E alguém que vai fazer uma viagem em bike no que chamo de quintal de casa, pois rodei mais 6 mil km na região, acusou-me de mansplaining, quando desatei a escrever sobre o trajeto. Autismo, hiperfoco, falta de leitura de contexto e etc. Mas eu falar de bicicleta para alguém que sabe menos do que eu é mansplaining.

Eu não tenho leitura de contextos. Não adianta eu treinar, eu tentei durante décadas, eu não desenvolvo isso. Afinal, eu tenho uma deficiência mental.

Eu prefiro me proteger de situações. Preciso de chaves duras pra seguir as regras. Sem leitura de contexto. Ou pode ou não pode. E sendo homem, e sabendo mais, e sendo didático, minha fala será sempre mansplaining. Não intencional, mas a intenção não importa, importa o fato.

Então, para não perpetuar o mansplaining numa sociedade machista, eu me calo. Neste blog não escrevo mais, e não falo mais sobre bicicletas no Facebook, no WhatsApp, no Telegram ou qualquer rede social, blog, fórum ou o que for.

É muito estressante para mentes como a minha ter que ficar pensando cada vez se devo falar ou não. Então prefiro me calar. Afinal, entendam o meu contexto: autismo, somado ao QI alto, mas ainda autismo.

Eu me calo, este o último post do blog, não há volta. Em seis meses volto ao blog e apago todos os posts. Que as pessoas achem outra fonte de informação. Repito, tá tudo disponível em alemão, procurem!

E como eu falar sobre bicicleta é mansplaining, isso não acontecerá mais. Simples.

Mas as coisas são o que são, e independentemente como se sintam, 99% não sabe sequer amarrar os sapatos adequadamente. Sim, usam nó cego com alças e não nó direito com alças. E nem imaginam por qual motivo seus tênis desamarram, e usam elásticos, e velcros, zíperes e etc. Esse é o Brasil.

Brasil toma de 7×1 dos países de centro todo santo dia. Aqui as crianças ou não têm material escolar ou usam esferográficas que lhe darão tendinites no futuro. Europeus usam canetas melhores, não vou falar de que tipo, procurem. Aqui as pessoas não sabem amarrar os sapatos, e gastam daí mais dinheiro em alternativas (existe nó até para se dar com uma mão só, procure, tem info na net). Canais que ensinam adultos a fazer o que qualquer criança de 11 anos dos países de centro fazem sozinhas, pululam no Youtube. “O Mundo de Sofia”, um livrinho paradidático para crianças de 10 anos, aqui nesse país é livro pra adultos. Os exemplos que posso dar da nossa indigência geral, de baixa à alta classe, são inúmeros, mas melhor não ter dimensão da própria tragédia.

Indigência essa também no mundo das bicicletas. No caso das bicicletas, gigantesca indigência. Eu lutei contra ela, mas tomo muita porrada por causa disso. Cansei. Hoje foi a gota de água que transborda o copo.

Então morre esse blog. Morrerá meu Facebook em breve. Trocarei de número de telefone. Eu me fecho. Autistas fazem isso. Tony Attwood (não sabe quem é? Google!) diz que autistas não se fecham o mundo que os fecha. Ok, me fecharei, é o que querem. Retiro-me da praça. Acabou, não tem volta.

Adeus.

14 Respostas para “ÚLTIMO POST DESTE BLOG.

  1. Adeus.Deixara saudades.
    O ser humano é apenas mais um animal que finge ser racional.Brigamos por espaço ,por comida por recursos como o qualquer outro animal.Amizades nao passam se simples relações de interesse e no fim amor romantico(romantismo) se resume a atracação sexual.Agimos pra saciar nossas necessidades basicas, essa pessoa que te atacou simplesmente esta alimentando a satisfaçao do próprio ego ou maquiando suas inseguranças atacando os outros(homens).
    Bom descanço.
    Ass:Apenas mais um leitor esporádico.

  2. Olá, Odir.

    Acredito, com certeza, que exista muitos conteúdos em alemão sobre marchas, canotes, bicicleta elétricas e quadro. Entretanto, não existe nada em alemão sobre praça do ciclista, cicloativismo paulistano, atividades do ciclozn, etc…

    Então, eu te peço humildemente, de coração aberto, apelando para a nossa história, por tudo que fizemos juntos… Não apague esse blog!

    Você tem todo o direito de não querer mais escrever sobre bicicleta. Eu, mesmo sabendo que isso será trágico para a discussão de bicicleta, acredito que você tem seus motivos.

    Mas esse blog é a maior contribuição para resgatar a história de uma luta coletiva, a luta pela bicicleta na cidade. Aqui, deixo claro, a luta de todos: homens, mulheres, crianças, classe alta, média e pobres, heterossexuais, LGBTQIA+, negros, brancos.

    Esse blog sofreu com a Julie Dias, com a Márcia Prado ou o Igor Gambia. Lutou ao lado do David Santos que perdeu o braço. Sorriu com a bicicletada pelada e com as bicicletadas. Mostrou a relação da bicicleta com a política antiglobalizacão.

    Você pode ser o escritor, porém, aqui, existe um pouco de todos nós, anônimos ou não.

    Daqui um tempo, a estrutura cicloviaria será considerado uma dádiva do Estado, afinal o que eles fazem bem (direita e esquerda) é silenciar a coletivo, quando não nos atropelam e acabamos nos transformando em estatísticas.

    Deixo uma reflexão de Milton Santos sobre o “espaço banal”. Para o professor o espaço banal é o espaço de todos, diferente do espaço corporativo que é segregado (elitista, classista, globalizado etc..).

    Assim, a praça do ciclista é o espaço banal por excelência. Chorávamos juntos, ríamos juntos, mas no mesmo sentido, a praça do ciclista, era o espaço da disputa de da discórdia.

    No fim, fica a dica: construção político social, sem respeito ao contrário, é o mesmo que espaço sem o povo. E sem povo, não terá processo de mudança… Acho que esse novo ativismo falhe miseravelmente nisso.

    Para quem acha que é só um homem Branco dizendo. Lembrem-se que o Milton Santos era um homem, negro, nordestino e periférico.

  3. olá, o teu blog era um dos que sempre lia, muito bem escrito.
    enfim, se achas que é momento de parar, apenas posso acenar.

    O “coletivo” não é fácil pra mim também, regras sociais nas entrelinhas não são a minha praia.
    Para mim, muitas vezes o arrependimento foi maior quando não tentei ajudar. Uma lástima que alguns se ofendam. Hoje tenho consciência que a reação dos outros é problema deles.

    Num momento de alta ignorância coletiva, desejo que ache teu oásis.
    Boa Jornada!

  4. Cara q noticia triste. =(

  5. Tu és um cara preparado, escreve bem, usa a cabeça, tem foco, cruzou distâncias, suportou a dor…. Não acho que UM comentário improprio (mansplaining) tenha relevância suficiente para subtrair, de nós que te seguimos a tanto tempo, as tuas pertinentes postagens.
    Reconsidere.

  6. Ogro Odir, sentirei falta desse blog…
    Abraço virtual (nunca nos vimos ao vivo)
    Lou-Ann

  7. Em busca de uma bike legal para o dia a dia caí no teu post sobre as bikes dos anos 90. Comprei um Trek 830 e ela é perfeita para o meu dia a dia. Sinto muito pelo ocorrido que te fez tomar essa decisão. Para mim, que sou apenas um simpatizante da mobilidade urbana sobre bike e que gosto de buscar informações de qualidade, seus textos sempre foram uma referência fundamental. Desde que caí no post assinei o blog e sempre que possível leio os textos novos. O mundo da bicicleta perde muito com o fim desse espaço. Boa sorte nesse novo momento e obrigado por ter compartilhado tanto conhecimento.

  8. E o mundo torna-se mais pobre.
    Lamentável mas compreensível.
    Só peço que não apague o que já está no mundo.
    Fique bem.

  9. Obrigado por compartilhar tanta informação , li todos os textos, me ajudou muito sobre a medida das rodas da minha bike cannondale r400 , hoje uso umas 26” , bom descanso.

  10. Que pena, Odir. Mas sério, super entendo. Fique em paz, amigo.

  11. Olá Odir. Bom dia. Assim como você compartilho o interesse em bikes e meu interesse recai principalmente naquelas vindas do exterior da década de 90. Sim, também tenho uma chromoly e sou feliz por isso e meu entusiasmo e conhecimento das siglas das peças, medidas e modelos dessa época ultrapassam o corriqueiro que as pessoas desconhecem. Entendo porém que nem todos terão esse pendor e apenas querem utilizar um produto nas condições desejáveis num certo momento ou período de tempo numa perspectiva finalística apenas, o que não é o meu caso. Contudo, assim como eles, gosto de outras coisas para utilizá-las mas não tenho a profundidade de interesses como aqueles voltado ao ciclismo, astronomia, fotografia e jogos de tabuleiro como xadrez. As pessoas também me procuravam, julgando talvez que soubesse muito, apenas sabia mais que elas e assim o entendimento de profundidade do conhecimento era distorcido a meu favor. Esse descompasso entre envolvimento dito por você (hiperfoco?) e pessoas lhe buscarem apenas como um repositório de informações soa realmente algo ofensivo e declaro que imagino ( não sei realmente se estou correto) como se sente tendo talvez como decorrência a descontinuidade desse espaço em tempo breve. Em tempo tenho um filho com TEA ( me soa um eufemismo dada a inacessibilidade à sua mente) e adoraria ter um comunicação mais efetiva. Ironicamente no começo ele nos dirigia em outras línguas e hoje o mutismo impera e por isso mesmo tentaremos uma comunicação dita alternativa (TD Snap ). Abs e boa sorte em suas novas escolhas.

  12. Serei mais um aqui sentindo falta deste blog…
    E também mais um pedindo que mantenha as postagens…

    Sempre gostei muito das leituras aqui, inclusive tive influencia delas na escolha de uma das minhas bikes e até em algumas “heresias” que faço com elas!
    Não costumo deixar muitos comentários aqui, mas gosto muito das leituras e espero conseguir reler boa parte delas antes de desaparecerem…

  13. triste pelo fim mas contente que estive aqui antes de fechar e soube que não estava provado ainda [em seu texto de 2012] que capacetes protegem ciclistas. talvez não esteja ainda.
    vida longa aos ciclistas, vida longa a você!

Deixar mensagem para André Mezabarba Cancelar resposta