uma resposta irônica

domingo passado, num fórum de discussão ciclístico, eu perdi a paciência com alguns membros que sempre afirmam que não há como usar a bicicleta em são paulo, como meio de transporte.

irrito-me sempre com essa afirmação, pois diariamente milhares de pessoas fazem isso. e o fazem por necessidade, pra economizar na condução, para que seus filhos possam comer algo em casa no café da manhã. então, para elas o que tem de estrutura basta? podem sofrer?

não há estrutura, é fato. precisa haver. mas isso não torna o pedalar impossível. isso é desculpa. no fundo, é para não se misturar com o povo.

colo abaixo a resposta, a pedido da renata.  ganhei um beijo dela por essa resposta. valeu a noite.  é muito bom pro ego quando uma pessoa que a gente admira muito nos elogia em algo.

(em tempo, andamos em são paulo com pouca paciência com imbecilidades. todos nós, ciclistas, sentimos muito a morte de juliana ingrid dias, julie dias, nossa amiga. a nossa irritação é apenas uma das formas de mostrar nossa imensa saudade daquela querida amiga).

divirtam-se com minha mordacidade.
“é, não tem jeito. a velha mania de ficar esperando primeiro aparecer a estrutura pra depois criar a demanda… tsc.
não é assim que as coisas funcionam. aliás, em nenhum lugar do mundo foi assim….

se a classe média não tirar a bunda do assento do carro, não melhora nada. vide saúde, vide escolas… eu adoro passeatinha pela paz, anti-corrupção e blablablá…. é sempre lindo!

mas não temos uma única passeata de senhoras vestidas de branco em prol da melhoria da escola pública, ou em prol da saúde pública… não, tá todo mundo na escolinha particular e com plano de saúde… e assim tá bom, pq não se corre o risco de ter que se misturar com pobre caso fique doente, ou o filho estudar na mesma sala do filho da empregada… claro, claro! 

ah ! acidade não tá preparada, claro, assim como o pelé dizia que o brasileiro não tava preparado pra votar…. é impraticável uma redução drástica do uso dos carros, claro! a cidade não tá preparada, assim como a igreja católica dizia que não estávamos preparados pra lei do divórcio, e hj cristãos de todos os matizes dizem que o casamento gay vai acabar com as famílias, pois não estamos preparados….

pois é. grande coisa! bem menos de 30% da população paulista é transportada em carros. mas carros responde por quanto dos problemas de congestionamento?

dou um um belíssimo exemplo: avenida rebouças. o corredor de ônibus da rebouças, que é um corredor de pequena capacidade operando como se fosse um de média capacidade, transporta 18.000 pessoas por hora no horário de pico.

carros que ali trafegam, usando o dobro de faixas, transportam até 4.000 pessoas no horário de pico.

um corredor de ônibus, de grande porte, pode carregar até 28.000 pessoas/hora. metrô, até 37.000 pessoas/hora.

estrutura de metrô demora a ser construída. mas corredores de ônibus não…. 

mas não se faz corredores de ônibus pra diversas regiões de são paulo pq? por causa do sacrossanto uso do carro. não se coloca um pedágio urbano no centro expandido pq? por conta do sacrossanto uso do carro!

me dêem uma cidade do mundo cuja restrição ao uso do carro foi antecedida pela criação de uma estrutura linda e cheirosa de transporte…. acaso londres é assim? acaso londres em um sistema de transporte perfeito? não. mas depois, e só depois, da redução drástica do uso do carro em razão do pedágio urbano é que melhorou um pouco o sistema. e assim foi em qualquer cidade européia.

mas claro, eles são burros, são muito burros, são burros demais…. inteligentes somos nós. que somos prudentes, que só mudaremos a matriz de transporte depois de construirmos um sistema de transporte perfeito, onde vai todo mundo sentadinho… só com escadas rolantes e elevadores nas estações, para não gastar sapatos nas escadarias… pra não levar empurrão de gente pobre, e claro, até pior, levar empurrão de gente pobre e preta, não é? claro, claro!

é verdade, a cidade não tá preparada, a estrutura não é essa, não há saídas. fiquemos assim. continuemos assim, hoje começando a funcionar 6 kms de uma faixinha pintada no chão com uns cones, uma ciclo-faixa de lazer… e claro, já se licitando a extensão da marginal pinheiros, pra melhorar o trânsito….

trânsito de quem, né? ah, é, dos 27% mais ricos, e mais escolarizados. ainda bem, não precisam se misturar. e quando querem andar de bicicleta nas cidades, ah, vão pra amsterdam, que beleza de cidade, cheia de ciclovias, todo mundo branco e elegante em cima das bicicletas….. mas aqui não dá, né, aqui não dá, não tem estrutura…

o elio gaspari tava certo. muita gente é obama nos e.u.a., mas aqui é bush.

é, primeiro vamos criar um sistema de transporte perfeito. aí a gente pode pensar em não usar o carro, não é?

é….. vamos fazer de conta que estamos numa cidade de menos de 500.000 habitantes, mas somos mais de 12 milhões. perfeito, vamos continuar no faz de conta. 

só uma sugestão: blindem os carros. pq o filho do porteiro que perdeu o emprego e foi pra favela, cansou de ver o pai demorando 3 horas pra fazer um trajeto que dá pra fazer em meia hora. ele quer ter vida diferente da vida do pai. ele já sabe que não vai ser estudando que vai se livrar da favela, a escola é ruim. ele quer hospital de bacana. e já tá pensando em arranjar um cano, por menos de 300 pilas consegue um com numeração raspada. o caixa eletrônico dele é o farol do cruzamento… (dados da polícia: sequestro relâmpago de ciclistas em sp: zero).

é, pensando assim, a coisa não muda. mas pensando bem, pra que mudar? tá bom assim, né? chega de coisa moderna. já tem uns absurdos ocorrendo… olha o lula, usando hospital particular! que absurdo! (essa foi de lascar, até o FHC saiu em defesa lula nessa situação!). 

deixa pra lá. vou pedalar. vou pra rua, onde, como ontem, vai ter gente dentro de carros me xingando, dizendo que vou morrer, que meu lugar não é a rua. é, se nem na rua eu posso mais andar… pra onde irei? é….”

em tempo. nessa terça (hoje já é quarta) mais de mil ciclistas estavam na avenida paulista, na bicicletada nacional. em outras capitais também. um número muito grande mesmo. e mesmo assim o poder público nos ignora. nada de políticas públicas efetivas de segurança para o uso de bicicletas como meio de transporte, não apenas de lazer. e hoje tomei duas “finas educativas” de ônibus, uma presenciada pelo amigo martin montingelli, e outra pela amiga andrea sacco. ainda falta muito para que algumas mudanças aconteçam. muito mesmo.

15 Respostas para “uma resposta irônica

  1. O jovem Freud, em Paris, numa aula prática com Jean-Martin Charcot, surpreso com algo que o mestre acabara de mostrar, retrucou:

    – Mas isso vai contra a teoria!

    – A teoria é boa, mas não impede de existir – calmamente respondeu Charcot.

    E esta frase ficaria para sempre como um ponto de dobra da Psicanálise, esta ciência/arte que lida apenas com tudo aquilo que, sendo impossível, teima em acontecer a revelia das teorias inclusive dela mesma: o desejo.

  2. Ainda estou pasmo com a tentativa ridícula da folha em “criminalizar” os ciclistas com aquela matéria idiota de ontem. Pensei que hoje ela fosse se redimir, veiculando uma matéria sobre a bicicletada de ontem mas, até agora, nenhum jornal que acessei publicou uma nota sequer sober o ocorrido.

    A cada dia me assusto mais com o corporativismo jornalístico e com a facilidade em dissimular que os grandes jornais tem. Embuídos de grande força patrocinadora eles simplesmente veiculam o que faz melhor para quem lhes dá dinheiro…isso é, no mínimo, enjoativo e nojento…

  3. o “grande” jornalismo hoje é realmente nojento

  4. Amigo,
    A causa é justa e não pode desistir, mas veja por outro lado!
    Moro em SBCampo e trabalho em Alphaville. Um amigo ciclista me disse para ir de trem. Sem noção!
    Claro que não vou de trem, mas não é pq não quero me misturar com preto e com pobre, como vc diz em seu texto, é pq tb quero chegar em casa cedo para ficar com minha esposa e minha filha, pode ler um livro, jantar e dormir.
    Ao invés de achar lindo a classe média andar com “preto e pobre”, prefiro que os “pretos” deixem de ser pobres e frequentem a escola particular do meu filho ou que a escola pública seja como nos meus tempos, quando era melhor estar na escola pública.
    O voto é uma forma de tentar mudar isso, mas sem deixar de reinvidicar, sair as ruas e etc, pois sabemos que o voto tb tem seus problemas quando o cara chega no poder!
    Não tenho vergonha de ser da classe média, ter carro, ter filho em escola particular, ter plano da saúde, jantar em bons restaurantes e andar de bicicleta em Amsterdam e usar meu carro quando preciso. Mas isso não quer dizer que esteja alheio ao que acontece em volta.

    • Eu não tenho vergonha de ser classe média. Mas percebo que a classe média tem vergonha de algumas das minhas atitudes porque saem de um padrão esperado para minha classe socia;. Acho que tem sim um monte de incômodos de classe mal resolvidos cuja conta é despejada na sociedade, Marcelo. E é bom que vez por outra alguém aponte essas coisas que incomodam para vermos se estamos fazendo o possível para mudar a realidade, porque na minha opinião, vai além do voto. É fundamental sair da zona de conforto.

  5. Pois é acredito que estamos longe do básico da sobrevivência de ciclistas, ontem (terça feira) a noite voltando do curso moro no centro estava um baita trânsito como vou e venho a pé pois 25min é mole, vi vários ciclistas sentados em frente a câmara municipal entorno de uns cento e tantos, protestando com apitos, buzinas, cantando etc, e vi um cara dentro do carro dizendo (é fd a polícia não faz nada estes vagabundos fazendo protesto esta hora! exclamava) , e foi neste instante que percebi que numa cultura de carros a bicicleta é inimiga que assim como as motos atrapalham os carros, na verdade acho que ninguém quer perder ou ceder espaço para o próximo também poder circular numa via dita “pública”. Sobre jornalismo há tempos não sabemos até quando é informação e onde é enganação, formadores de opniões de interesses. Não ando de bike todos os dias, não tenho como usar a bike para ir para o trabalho pois preciso estar em muitos lugares num único dia, mas faço uso do transporte que poderá me levar com mais rapidez seja ele ônibus, mêtro, carro, bicicleta ou a pé, até tive moto e nunca bati ou caí com ela, acho que o importante é o respeito perante aos outros que alí circulam conosco e não se temos estrutura ou seja lá o que eles tanto reclamam faltar.

  6. FAÇO DELA MINHAS PALAVRAS.

  7. A carrocracia infelizmente só vai terminar quando não houver mais saída; é somente, e tão somente, quando “a água bater na bunda de todos”, quando todo mundo sair de carro e não conseguir andar um metro sequer que as pessoas vão começar a perceber que o nosso atual sistema de coexistência urbana não funciona em diversos níveis. Quando tudo estiver tão ruim, acima da linha da insuportabilidade que já suportamos, as pessoas vão perceber que não é só o trânsito, mas também a maneira como lidamos diariamente uns com os outros que também precisa mudar. Esse descompromisso velado que o brasileiro tem com o próprio país é, na minha opinião pessoal, o verdadeiro motivo pelo qual “o país não vai pra frente”.

  8. Um dia a Folha, noutro Reinaldo Azevedo… é o império rodoviarista arrigimentando os adoradores do deus carro e tentando lutar contra a Natureza. Feliz de nós que nos permitimos ousar. A ousadia precisa de coragem, a Ousadia gera movimento, que gera Evolução, vocação natural do Universo, então, porque não Ousar? Fomos dotados de inteligência e buscamos um Mundo Melhor, seria omissão se não seguíssemos nosso caminho, se não seguíssemos o chamamento, o clamor do palneta em prol de todos. Ninguém aqui quer ser mártir, acredito, apenas poder viver dignamente frente a suas escolhas.
    Willian, me permita cumprimentá-lo pela sua coragem, ousadia e visão de um amplo horizonte.

  9. Não desanime. Em Porto Alegre, da mesma forma, devia haver entre 500 a 800 ciclistas na bicicletada, e a imprensa deu uma atenção mínima, mas talvez surja ainda alguma nota retardatária sobre ciclistas atrapalhando o trânsito, mas não sei, porque não leio essas porcarias. Estamos juntos nessa luta.

  10. Odir,
    cuidado, podem te acusar de estar escrevendo um texto que remete à luta de classes. (hahahahahaha)
    Gente diferenciada realmente não gosta de se misturar com pobres. Alguns nobres ciclistas até preferem definir os pobres que andam de bicicleta, por necessidade econômica, como bicicleteiros.
    Participamos de dois fóruns em comum e confesso que parei de ler determinados tópicos, pois o reacionarismo de algumas pessoas me enoja.
    Abraço.

    • hehehe, vinicius! sobre conservadores eu gosto da definição de um liberal. sim, de um liberal, não de alguém de esquerda. john stuart-mill, que afirmava que nem todo conservador é estúpido, mas quase todos os estúpidos são conservadores…

  11. Ah verdade é que tem poucos poderosos ganhando muuuito dinheiro com a produção e comercialização de carro e combustível, na verdade com toda a indústria de carro. A bicicleta não demanda novos perfuramentos de petróleo…Por isso ela não é difundida e valorizada. Eeee essa porcaria de governo vai continuar a dar incentivos ficais para as fábricas de carro. É triste, mais é a realidade de um povo idiota.

  12. Esta semana foi interessante, ver o desespero das pessoas quando o combustível que alimenta suas máquinas havia acabado em diversos postos de combustíveis, nos jornais, rádio e televisão só se falava deste problema, os preços dobraram nas bombas e o caos se instalou para aqueles que não sabem o que fazer sem motores, são tão dependentes como usuários de drogas! hehehehe

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